terça-feira, 28 de abril de 2009

Pequenas dicas 9









Retratos e espaço vivencial
Já falei anteriormente que as pessoas revelam sua personalidade tanto através de sua aparência física, quanto da maneira como se relacionam com os elementos de seu espaço vivencial.
Em 2004 fui convidada para fazer fotos para um livro comemorativo aos 25 anos do Mosteiro da Ressurreição em Ponta Grossa. O mosteiro, da ordem beneditina, abrigava, na época, 30 monges em regime de clausura.
Para fotografar o cotidiano dos monges recebi autorização para entrar no claustro e participar de todas as atividades diárias. Até aquele momento às mulheres era permitido o acesso a algumas partes do mosteiro, todas externas ao claustro: capela, pousada, loja de artesanato e bosque. A exceção à entrada nas partes internas do mosteiro acontece durante a Páscoa, na qual a vigília ao Cristo morto é feita no Jardim do Claustro.
Armada com essas informações tomei o rumo do mosteiro. Em minha cabeça, um turbilhão de imagens desconexas de um universo que não conhecia e do qual as mulheres estavam excluídas.
No primeiro dia de fotos ficamos todos sem jeito, um pouco intimidados - eu com a presença silenciosa que me surpreendia e eles com minha presença-fotográfica.
Um dos monges, o mais velho deles - Dom Geraldo, 86 anos, 70 de mosteiro, foi o primeiro a me olhar nos olhos. E confesso, me rendi ao primeiro olhar.
Tive que aguçar os ouvidos para escutar sua fala suave e me deixei inundar por sua simplicidade. Com um aceno me pediu para segui-lo: fomos ao galinheiro, lugar preferido dele, depois da presença divina, claro. As galinhas não são para comer, mas para por ovos que dão sustento à cozinha aconchegante. Com um olhar manso me pediu desculpas pela bagunça do galinheiro - me conquistou, novamente.
Meus dias começavam às 4 da manhã – quando o sino bate chamando os monges para o primeiro ofício por conta disso eu ia dormir no mesmo horário que as galinhas de Dom Geraldo. Escurecia e lá ia eu para a pousada, onde além de dormir, fazia minhas refeições. Nos primeiros dois dias só podia entrar no claustro acompanhada por um monge que seguia silenciosamente meus passos fotográficos. No terceiro dia fui convidada a tomar café no refeitório.
Pela primeira vez na vida ouvi o som do café descendo goela abaixo, tanto era o silêncio dentro do lugar. Resolvi ceder ao meu estômago e fiz um pão em uma chapa, igual ao que os meus colegas de refeição faziam.
Aos poucos, comecei a receber um ou outro olhar curioso, questionador.
Mal sabia eu que o pão na chapa funcionaria como uma espécie de senha para a intimidade com aquele mundo masculino e silencioso. Fui aceita.
Minha entrada no claustro estava liberada e as conversas começaram a surgir. Rapidamente fiz ótimos amigos, irmãos, de verdade. Um dos monges me disse que eu conseguia arrancar deles coisas sobre as quais há muito não refletiam e lembravam. Que eu passei por lá como um vento fresco. Foi a mais linda declaração de amizade que recebi.
Fotografar é interessante por conta disso. Não recebemos somente a autorização para registrar as imagens, cedidas gentilmente, mas também recebemos passaporte para a intimidade ao mesmo tempo em que somos desnudados.
Tudo isso me ajudou a resolver uma questão: todos os monges tinham o mesmo espaço vivencial o que complicaria minha estrutura narrativa e diminuiria as opções de personalizar os retratos. Ao longo dos dias percebi que cada um deles embora partilhassem dos mesmos objetos e espaços, tinha uma maneira particular de fazê-lo. O resultado, portanto, traz um pouco da personalidade de cada um.

ps: na terceira foto Dom Geraldo estava preparando omeletes e fez questão que eu fotografasse a sua habilidade com a frigideira.

3 comentários:

Victor Amaral disse...

Que legal Zaclis, você tinha nos mostrado algumas dessas fotos do mosteiro no 1° ano, em 2007, e comentado sobre elas. Porém, senti de maneira diferente a sensação de estar no mosteiro, pelas suas fotos, agora, passado dois anos.
Lembro muito bem daquela do corredor com bancos que retrata a paz e o silêncio. Essas também, muito legais

Marta disse...

Eu, minha amiga, é que já não passo com o tanto que aprendo com o teu saber olhar!


beijos, muitos

aveloh disse...

Que sensação, Zazá, pensar que esse Dom Geraldo já estava no mosteiro, meu vizinho, bem antes de eu nascer, eu que já sou entrada em anos, e fiz e não fiz tanta coisa, e ele lá, na clausura! Dá a impressão de que também minha vida ficou inscrita no olhar do velho.

beijos.