domingo, 15 de agosto de 2010

Manoel Augusto BahlsVeiga
09-05-1929
12-08-2010
Minha lembrança mais remota é a de um homem muito alto com olhos sorridentes que me carregava para perto das nuvens. Acho que foi a experiência de experimentar a proximidade do céu, nos braços do meu pai, que me ensinou a sonhar e a sorrir com os olhos. A acreditar que o mundo e as gentes que o habitam são bons, mesmo quando teimam em ser ruins. A crer que a melhor herança não é aquela que se gasta, mas sim a única que pode ser eterna: uma caixa repleta de boas lembranças.
Partilho com vocês um bolo de aniversário em formato de castelo feito pelas mãos do confeiteiro; algumas horas perdidas em uma loja feminina a escolher um vestido vermelho para o primeiro baile com o primeiro namorado; o som do coração e o calor do colo paterno antes de dormir; a laranja descascada de uma única vez e o sorriso cúmplice quando a casca se partia e rapidamente a jogávamos no lixo deixando para trás, sempre com bom humor, aquilo que teimava em nos vencer; as panelas de doces sempre fartas de “restinhos” para raspar; os chás para curar tudo do “doutor cipó”; o foguetório em qualquer ocasião do Mané Fogueteiro; as receitas de emagrecer que consistiam em conselhos de comer por um para ter o corpinho de um; os anjinhos feitos de isopor e lantejoulas distribuídos no Natal; os ninhos de Páscoa que faço há 45 anos; as distrações que faziam o carro parar no muro ou no paralama dos carros dos vizinhos; o jardim bem cuidado repleto de flores e sempre com uma mudinha de babosa para dar de presente a um convertido aos benefícios da planta; as noites nos velórios que deviam ser animadas, porque afinal “a vida é uma celebração e a morte uma distinção”; as brincadeiras no mar que o assustava – nunca aprendeu a nadar – e o fascinava; a alegria intensa e a gratidão que devemos ter por cada instante; os olhos marejados e assustados quando a violência rondou minha vida; as horas dispensadas na procura de um carro bonito – acabamos por comprar o mais bonito do pátio – vermelho lustroso e com muitos problemas mecânicos, mas estávamos orgulhosos da nossa compra; do sorriso esboçado no último dia dos pais quando as novidades do meu coração o fizeram se alegrar; dos olhos que brilharam quando ao me despedir disse” te amo”...
Há uma vida dentro dessa caixa e tenho certeza que outra caixa, igualzinha a essa, está a ser aberta lá no céu eternizando essa existência brilhante que tive o privilégio de partilhar.

7 comentários:

Alberto Melo Viana disse...

Zaclis querida
Que estas lembranças tão boas possam te confortar neste momento de perda.
um abraço fraterno do amigo
Beto Viana

aveloh disse...

E eu, de uma banda da tua família que não tinha, nem de longe, a mesma vocação para a vida que tinha meu tio, sou grata por conhecer, pelas bordas, essa alegria, essa invejável leveza de que certas pessoas são capazes.

Willian Bressan disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Brilhante, doce e terno.
Homenagem linda, repleta de sensibilidade e sabedoria.
Beijo enorme e solidário para ti.
Xana

Diamantino Carvalho disse...

Só sei dizer assim

Escorrendo nas paredes do rosto
O sentir dessa partida,
Não é tristeza, é o mosto
Da própria vida...
Recordar dos que partem a largueza
Dos seus sentimentos
Dão-nos a alegria, e uma certeza
Do quanto grande era a beleza
Que nos trazia a todos os momentos.
Ficam gratas recordações
que nos estruturam por dentro
A que recorremos inconscientemente
Usando de igual modo nas etapas da vida
O seu lindo sorriso complacente
que em nossas falhas foi guarida
E assim sem mágoa ou dor
o deixamos partir convictos
que em todos deixou amor
e sempre será lembrado
como um ser muito amado.


Diamantino

Marta disse...

[amo-te,querida Zaclis.
muito. muito.]

Zaclis Veiga disse...

Beto, Ayde, Xana, Diamantino e Marta
Muito, muito obrigada
beijo