sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Discurso dos formandos de 2009


A formatura dos meus alunos de Jornalismo me reservou muitas surpresas, entre elas os discursos. Foram palavras repletas de emoção e alegria, mas sem as pieguices e gracinhas irrelevantes que geralmente estão presentes nessas ocasiões.
Reproduzo com orgulho o discurso do meu colega jornalista Hendryo André.

Estamos entre as primeiras turmas no Brasil a concluir o curso de jornalismo, desde que o STF, o Superior Tribunal Federal, derrubou o diploma.
De acordo com o pensamento do ministro Gilmar Mendes, maior defensor do fim da obrigatoriedade para o exercício da profissão, o diploma que acabamos de receber, ainda úmido com o suor do Trabalho de Conclusão de Curso e de outras disciplinas fundamentais da grade curricular, não tem função maior que a de secar as possíveis lágrimas de um esforço inútil.
Felizmente, não é noite para lamentações.
Devemos analisar a desregulamentação, sem, no entanto, nos manifestarmos de forma contrária à medida apenas porque o diploma garante uma reserva de mercado.
Se for esse o pensamento, os defensores do diploma deveriam ser os primeiros a rasgá-lo.
Durante quatro anos escutamos na sala de aula, nos corredores e nas rodas de discussão o princípio de que a mídia é uma espécie de quarto poder nos países onde a democracia impera. Mas o que é este quarto poder?
O filósofo francês Gérard Lebrun alega que não há – não há – possibilidade de discutir poder sem a definição do conceito de potência.
Potência, segundo ele, é uma espécie de capacidade que determinada pessoa tem para tomar uma atitude, sem que, no entanto, ela cumpra o ato.
Assim, um jornalista que abandone a carreira não perde, portanto, a potência de ser jornalista.
Caso ele se arrependa, ou seja, caso ele volte a exercer o ato de ser jornalista, esse profissional volta a ter poder.
Ainda não é hora de discutir que tipo de poder ele tem, mas é necessário saber que ele o tem.
Para o nosso apaixonante jornalismo, é a potência de exercer algo que aqui nos interessa, ou seja, não devemos mais discursar sem responsabilidade, como por algumas vezes fizemos na sala de aula, nos corredores e nas rodas de discussão.
Não devemos também, apesar da importância, mirar exclusivamente nossas atenções às qualidades e aos defeitos das escolas de jornalismo, e sim destacar a potência que este diploma, em tese, surrado, humilhado, empobrecido e sem valor, nos oferece para colocarmos a mão na massa.
Temos, portanto, potência para sairmos daqui com o objetivo de deixar o mundo melhor do que aquele que encontramos, independentemente dos veículos de comunicação que vamos trabalhar.
Todo poder, ainda de acordo com Lebrun, depende de uma força, que nada mais é que a canalização de uma potência.
Cada linha escrita, a partir de agora, é o exercício do nosso poder.
Ser poderoso, portanto, não é necessariamente ter artifícios para ameaçar, trapacear, ou ainda, iludir, persuadir ou esconder a informação do público.
Que esse estereótipo esteja com alguns de nossos antecessores.
Ser poderoso é tão somente chegar numa soma cujo resultado é zero. Sim, zero.
Se um jornalista recebe do público, por exemplo, a confiança na veracidade do material produzido, é fundamental que este jornalista tenha noção de que ele pode ser, talvez, a única fonte de informação daquele público. E isso se caracteriza como uma concessão de poder.
Mas vamos aqui utilizar um questionamento de Foucault sobre poder para encerrarmos a discussão.
Por que razão, pergunta o sociólogo, a noção de poder continua a ser relacionada com o princípio da monarquia, ou seja, de um Estado forte representado por um rei?
Nesses tempos de pensamento único, por incrível que pareça, não há um inimigo comum – como havia, por exemplo, quando nossos pais, tios, avós e amigos mais velhos, aqui presentes – percebiam na ditadura militar.
Há um inimigo escondido, que mostra a face veladamente num verso de Gilberto Gil: “Um jornal é igual ao mundo”.
E se um jornal é igual ao mundo, por que ele não pode ser mudado e, consequentemente, mudar o mundo?
Simplesmente porque um jornal como um todo tem potência, mas não tem poder.
Na visão do ministro do STF, um diploma de jornalista é também igual ao mundo, também igual a um jornal, ou seja, ele simboliza cidades poluídas, violentas e desiguais, cuja essência está na reunião de relações sociais tão complexas que o pobre jornal não explica, simplesmente porque não entende.
Se com a “potencialização” dos profissionais não podemos, nós, os jornalistas, auxiliar o público a compreender este mundo, o que dizer da formação relegada ao acaso?
Caso sejamos contrários ao diploma, caso deixemos de conceder este poder aos jornalistas, perde-se a razão de utilizarmos esta mídia para nos informarmos.
Mas quem transformou um documento de concessão de poder por parte da sociedade em embrulho de peixe no dia seguinte à formatura?
Empresários de grandes grupos de comunicação, políticos conservadores, uma ordem econômica voltada ao lucro acima de qualquer coisa, a indústria cultural e o mito de que a informação é uma concessão de poder como aquela dada aos reis em outros tempos.
E por isso vemos todos os dias os jornais, com tamanha potência a ser desperdiçada, reproduzirem as mudanças na economia como se elas nada tivessem haver com o controle sobre o número de desempregados, por exemplo.
Como se o controle dos especuladores nas bolsas de valores não tivesse relação alguma com a desigualdade social, com a fome, com a miséria, com a falta de recursos para a educação e para a saúde.
Como se um jornal não tivesse a obrigação – ainda que isso seja impossível – de procurar se apresentar como um reflexo do mundo!
Chegamos, finalmente, a provocação maior destas palavras:
Afinal, o que faz com que o jornalismo se manifeste como quarto poder?
Discutimos, finalmente, o tipo de poder em torno do jornalismo.
E descobrimos que o jornalista pouco simboliza o quarto poder, mas muito representa a potência, já que, necessariamente, deve ser movido por sonhos.
Todo jornalista, portanto, por si só, queira ou não, deve ter um espírito de contravenção em nome do bem-comum.
Só assim é possível que façamos, a cada dia, um jornal um pouco diferente do mundo. Um jornal com poder de mudança, não com potência jogada fora.
Que o nosso diploma, ainda que não seja regulamentado, esteja potencializado, e que nossas universidades busquem sempre melhorá-lo a partir de prioridades na formação humana, já que a universidade é a construção da potência, é a construção de sonhos.
Dessa forma, a comunicação se tornará efetivamente um quarto poder não como um meio de manutenção das desigualdades regulamentadas pelo mercado, mas na formação de um poderoso projeto de nação. Henryo André

2 comentários:

Luciano Sarote disse...

O Hendryo é um colega e tanto, amigo, e como profissional o admiro muito. Esse cara tem um futuro e tanto, ainda quero muito ser seu parceiro em reportagens, e claro, ele escrevendo e eu: (adivinhem)


FOTOGRAFANDO!!!!

Zaclis Veiga disse...

Será uma parceira de luxo! :)