domingo, 16 de agosto de 2009

Fotografias que não fiz


Há ocasiões e lugares que não cabem na câmera.
Não acontece sempre, mas acontece.
Em agosto de 90 tive a oportunidade de trocar algumas palavras como Sebastião Salgado, então de passagem por Curitiba.
Perguntei: você deixou de fotografar alguma coisa? Com seu jeito manso, bem mineirinho, o tom de voz baixo, quase em confissão, falou que sim.
Não conseguiu fotografar um homem que estava preso a uma árvore, porque era considerado louco. Disse que no momento em que olhou para aquela cena através da ocular da câmera não suportou ferir ainda mais a dignidade daquele homem.
Não fotografou.
Essa fala me marcou.
Esse tipo de coisa me aconteceu duas vezes.
Em uma delas eu estava perto de mercado municipal de Ponta Grossa para uma reportagem sobre a falta de higiene no local. Buscava personagens para meus retratos, na tentativa de humanizar aquela história. Encontrei um senhor muito idoso que remexia em uma lixeira e retirou de lá uma maça. Seus olhos brilharam. Ele limpou a fruta na roupa suja, olhou-a atentamente e a mordeu. Vi a cena por minha ocular. Mas, não consegui fotografar.

A outra vez foi há pouco tempo, em Viana do Castelo.
A paisagem, vizinha dessa que ilustra o post, era tão deslumbrante que senti o tempo parar para que Viana entrasse dentro de mim.
Não fotografei porque nenhuma foto que eu fizesse me agradaria.

Em ambos os casos a fotografia não conseguiria captar o turbilhão de sentimentos que me tocaram por dentro.
Esses são momentos absolutamente individuais. Talvez o homem do mercado e Viana fossem cenas banais para outro fotógrafo.
E talvez eu já tenha feito fotos em cenas que outros não conseguiram registrar.
Mas, não fotografamos somente com a câmera. A diferença não está na qualidade de meu equipamento ou na técnica.
Fotografar é uma coisa de alma. E, às vezes, a alma se sobrepõe ao desejo do registro.

3 comentários:

Alberto Viana disse...

Fotografar, minha cara Zaclis, é da alma e do coração como já dizia o mestre Cartier-Bresson.
Tenho que ir o mais rápido na terra de meus ancestrais.
Alberto Viana

Victor Amaral disse...

Para o fotojornalismo, a foto nao registrada do senhor comendo uma maça retirada do lixo não foi uma omissão de informação, apesar de poder ter outras ao redor?

Um Abraço

Marta disse...

tudo tanto ALMA :)



saudades