sábado, 18 de abril de 2009

Para a prima Ayde


Tenho alguns defeitos que me incomodam. Não lembrar o nome das pessoas é um deles. Sou essencialmente visual. Bom para uma fotógrafa, certo? Posso não lembrar o nome do sujeito, mas sei exatamente onde o vi, com que roupa estava e, se seu estado de espírito transparecia no rosto, lembro disso também. Porém, não me lembro da voz, dos sons que estavam ao redor.
Tenho dificuldade em decorar e reconhecer músicas e músicos, vozes ao telefone, ...
Mas tenho uma audição excelente, meus alunos que o digam. Ouço comentários feitos no fundo da sala e dentro do laboratório fotográfico, na sala escura, sei onde está cada um deles e se estão colocando o filme corretamente no carretel. Tudo pela audição.
Ontem percebi que tenho uma boa memória auditiva. Lembrei do grupo onde fiz meu jardim de infância - o Amálio Pinheiro - o mesmo no qual fui alfabetizada com Monteiro Lobato do post abaixo. A cidade era Ponta Grossa e o grupo ficava no bairro da Nova Rússia - obviamente chamado assim porque havia por lá uma grande colônia de russos.
O prédio ficava em frente ao zoológico. Uma praça tímida com um chafariz em forma de estrela em um dos lados e do outro alguns macacos, uma hiena, algumas araras, duas ou três gralhas azuis, tucanos e dois leões.
Minha sala, que era enorme aos meus olhos de menina de 4 anos, ficava de frente para o zoológico. Parte das janelas da sala era pintada com um jardim florido o que fazia com que no meio da tarde uma luz esverdeada banhasse as mesinhas e cadeiras.
Após o lanche das três, era hora de dormir. Todos tinham que ficar com os olhos fechados, recostados nas mesas ou deitados pelo chão.
Nos dias quentes havia uma zonzeira no ar.
E no meu universo só havia sons: das classes mais adiantadas cantando a tabuada: “dois vezes três, seis" ou a ladainha dos dígrafos: “ch, lh, nh, rr, ss, qu, sc, sç, xc xz” ; da flauta do sorveteiro em quatro assovios, três curtos e um comprido para terminar; do leão que inventava de rugir bem naquela hora e da macacada que resolvia responder, botando medo na gente e fazendo com que os olhos se apertassem mais até que o sono chegasse. Era um ambiente de paz. Sentíamos-nos seguros ali, mesmo com o leão ao lado.
Até hoje gosto de estar em um ambiente fechado e ouvir ao longe o assobio do sorveteiro ou de pessoas conversando. Conheço alguns poucos lugares assim, nos quais o silêncio é dádiva, segurança e certeza de que os rugidos da vida não vão me alcançar. O melhor é quando esses lugares são partilhados com pessoas do coração que sabem amar sem a necessidade das palavras, basta o calor da presença.


Embora o post seja para a prima, sei que posso dedicar também a todos os amigos que algum dia partilharam do silêncio comigo e àqueles com quem um dia o partilharei, porque têm a alma leve e habitam meu coração.

3 comentários:

aveloh disse...

danke, Zazá.

Marta disse...

Tomei um bocadinho para mim, também!E gostei de passear na tua memória auditiva.
bjo

Claudia Sousa Dias disse...

que lindo, até quaser consigo ouvir esse assobio do sorveteirop e os ruidos dos animais do zoo...


csd